quarta-feira, 1 de julho de 2009

Desenvolvimento Moral

Texto relatando situação vivenciada na escola e análise teórica tendo como base o referencial piagetano sobre o desenvolvimento moral.
No ano passado aconteceu uma situação na escola que causou uma grande indignação por parte da equipe diretiva, professores, pais, alunos e comunidade escolar em geral. Durante o recreio da área, um grupo de alunos entre onze e treze anos realizava uma brincadeira, expressão utilizada por eles após o ocorrido.
Fizeram um círculo com vários alunos da 5ª série, um delas ficava no centro do mesmo e girava uma garrafa Pet como se fosse uma seta, a quem ela apontasse o mesmo apanharia de todos os outros do círculo, com chutes, pontapés e toda sorte de agressões.
A empolgação foi tamanha que arrebentaram um dos participantes da brincadeira, machucando em todo o corpo, incluindo rosto. Quando a brincadeira foi interrompida o resultado era desolador, o menino num estado deplorável.
A escola comunicou sua família que o levou a polícia, onde registrou queixa contra os alunos que participavam da brincadeira, realizando o exame de corpo de delito e o aluno ficou dois meses afastado do ambiente escolar, para se recuperar fisicamente e emocionalmente, dentro do possível. A família dos outros envolvidos foram comunicadas e foram tomadas as medidas cabíveis: prestaram depoimentos, receberam punições por parte da escola, suspensões, expulsões e transferências para outras escolas.
Durante todo esse processo eles agiam sem nenhuma culpa, afirmando que era uma brincadeira entre eles, que eram amigos, que não havia nada errado nesta atitude. Depois pela pressão dos pais, da escola e da polícia sobre o caso, fez surgir um sentimento de culpa incutido pelo externo, mas não por um juízo de moral presente em seu caráter. Essa situação abalou profundamente a escola, um estado de choque coletivo, mas não impediu que acontecesse diversas situações de violência, agressão na escola.
Piaget em seus primeiros estudos acreditava que tal atitude poderia ser explicada pela influência de seus ambientes de convivência que os tornou violentos, agressivos(concepção empirista). Uma outra maneira de explicá-la responsabilizava a genética familiar, determinando em suas personalidades uma predisposição para tais comportamentos.
Após mais estudos Piaget descartou essas duas possibilidades como sendo individualmente responsáveis pela construção de suas personalidades, relacionando a influência do meio interno e externo nessa construção do sujeito(interacionismo)
Em suas relações as crianças constroem noções de justiça, solidariedade e responsabilidade e se faz necessária uma reflexão do professor, da escola e da família, sobre as situações vivenciadas e os processos que permeiam a construção desses conceitos pela criança, adolescente.
O fato relatado denota a dificuldade destes alunos em se posicionar perante o pensamento do outro, pensando apenas a partir de seu próprio ponto de vista. Por isso, afirmavam que sua atitude não era agressão, pois a brincadeira foi consensual e os próprios combinaram as regras do mesmo e concordaram com elas, então não a definiam como violência.
Perante essas situações a escola busca trabalhar valores que coíbam atitudes agressivas, fazendo uso de uma educação voltada para o “certo” e “errado”, seguindo padrões pré-estabelecidos e aceitos pela sociedade, mas esquecendo de promover a reflexão, a vivência, a experimentação, a interação com esses valores, dando-lhes significação e assim contribuindo para o processo de desenvolvimento da moral no ser humano. Ao invés disso, prefere se restringir a rotular aos alunos e situações como violentas, agressivas, mas não como características de uma fase de construção da autonomia moral das crianças, que passa por atitudes egocêntricas, que tornam incompreensíveis conceitos como justiça, verdade, cooperação, regras de reciprocidade nas relações, que constituem o desenvolvimento da moral. Uma autonomia que retrata a internalização de limites impostos pelo externo e então praticados pelo sujeito, com trocas cooperativas e recíprocas, favorecendo as relações onde se faz presente o respeito mútuo.
A referida autonomia moral só é possível se o sujeito vivenciar a heteronomia, onde o mesmo age simplesmente por um sentimento de obrigatoriedade imposto pelo externo, com a construção de normas sociais na criança, onde predominam relações de autoridade, favorecendo o respeito unilateral através da obediência, da repressão e do medo.
As crianças, adolescentes, vivenciam situações de heteronomia e autonomia no decorrer de suas relações, experiências, se fazendo necessária uma reflexão sobre as regras que conhece e revalidá-las a partir disso, promovendo uma construção das mesmas por eles, e, nesse processo contando com a colaboração dos adultos, professores, família, escola, agindo amparados na argumentação e não apenas na exerção da mera autoridade sobre os mesmos, o que poderia provocar comportamentos submissos, revoltados, que não contribuem efetivamente para o desenvolvimento da autonomia moral. Se faz necessário o surgimento de uma sociedade, uma escola, que construa regras de convivência não pela imposição de pré-conceitos, mas pela reflexão e cooperação de todos os indivíduos inseridos neste contexto social, pois somente a participação neste processo trará significado à essas regras, legitimando-as e possibilitando a respeitabilidade das mesmas.
BIBLIOGRAFIA
PIAGET, Jean.Os estágios do desenvolvimento intelectual da criança e do adolescente. In:Problemas de Psicologia Genética. São Paulo, 1983. Coleção Os Pensadores.
_______O desenvolvimento mental da criança. In: Seis estudos de psicologia.Rio de Janeiro: Forense, 1986.
_______O julgamento moral na criança. São Paulo: Mestre Jou, 1977.
BECKER, Fernando, Ensino e construção do conhecimento: O processo de abstração reflexionante. In: Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2001.
Significações de Violência na Escola: equívocos da compreensão de desenvolvimento moral da criança? PICETTI, Jaqueline Santos
Reflexões sobre a Moralidade na Escola. CAMARGO, Lisiane Silveira

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